Cozinhar pra que?
Trilha:
Funkorama by Kevin MacLeod
Link: https://incompetech.filmmusic.io/song/3788-funkorama
License: https://filmmusic.io/standard-license
A minha geração de mulheres foi a que se rebelou contra as “prendas domésticas”, que era uma disciplina nas escolas na época da minha mãe. Ali a mulher aprendia a cozinhar, costurar, arrumar a casa, a se comportar e a ser submissa aos homens. Fazer essas coisas pra mim era sinônimo de dependência e tudo que eu queria era ser independente e livre. Eu dizia, cheia de orgulho, que eu trabalho e pago pra alguém fazer isso por mim.
Pois bem, essa introdução pode seguir em muitas direções. Mas hoje quero falar sobre cozinhar. Eu só sabia fazer mexido com os restos que estavam na geladeira e olhe lá. E vivi muito bem assim. Até que em 2019 eu fui fazer uma checkup de saúde e descobri que estava com pressão alta e uma pré diabetes. A médica me orientou, com o combo basicão, a fazer exercícios e cuidar da alimentação. Fui a uma nutricionista pra entender o que eu precisaria mudar e ela falou uma coisa que me marcou, que a melhor forma de cuidar da alimentação seria que eu mesma preparasse minha comida. E agora? Tela azul. Eu não sabia nem pra onde olhar pra pedir ajuda.
Foi então que a mágica do acaso se deu. Uma amiga me procurou interessada nas mentorias que eu estava oferecendo. Lembrei que ela é uma excelente cozinheira e propus uma permuta. Eu fazia alguns encontros de mentoria com ela e ela me ensinaria a sair do zero na cozinha.
Como aquelas horas na cozinha com a Leiliane mudaram a minha vida! A gente ia fazendo as coisas juntas. Eu ia aprendendo e fazendo. Aos poucos a barreira entre eu e a cozinha ia caindo. Eu não queria fazer pratos elaborados, eu queria conseguir cozinhar o dia a dia, o que era simples, mas sem ter que seguir tantas regras. E ela de repente falou a frase mágica. Use e abuse da sua intuição. Você vai acertar e errar, vai experimentar e se surpreender. E cada vez vc vai descobrir a sua cozinha, o seu tempero e o seu jeito Helô de fazer receitas e comidinhas.
Ela ia me contando os pequenos segredos de quem faz isso há muito tempo e domina o seu processo. E eu, que sempre registro tudo, não anotei nada, apenas me deixei ser guiada pela Leili. Fiz uma imersão, absorvi tudo e nunca mais esqueci.
Logo em seguida veio a pandemia e vocês já podem imaginar como foi importante pra mim ter começado esse processo todo um tempo antes. Eu já tinha me reaproximado das “prendas domésticas” pela costura, crochê e bordado e aprender a cozinhar foi mais um encontro comigo mesma. Entendi que não era cozinhar, bordar, costurar e arrumar a casa que faziam com que a mulher fosse submissa. Que essa história tem raízes mais profundas e permeia toda a nossa vida.
Eu nunca fui adepta da pimenta, mas um dos ensinamentos mágicos que ganhei nessa experiência foi que a pimenta de cheiro perfuma tudo. E que a Leili não consegue encontrar lá em Londres, onde mora e que ela sente muita saudade dessa pimenta quando está cozinhando. Agora não falta pimenta de cheiro na minha cozinha. E tenho até um pé de pimenta na minha janela. E sempre que olho pra ele me lembro com carinho da minha professora cozinheira que abriu essas portas pra mim.
PS: A Leili tem um blog que eu sempre recorro e está lançando seu primeiro livro. Ele traz o jeitinho dela cozinhar. Vem de Minas, vem das avós, mãe e tias com a simplicidade das coisas essenciais e saborosas.
Até mais.